Desde sua concepção, Thunderbolts* prometia ser um respiro sombrio dentro do universo da Marvel, que há tempos vinha apostando no excesso de efeitos visuais e piadas fáceis. A boa notícia é que a produção cumpre parte dessa promessa, mergulhando em temas inesperadamente densos como depressão, culpa e ansiedade — especialmente através da jornada de Yelena Belova, vivida com intensidade e vulnerabilidade por Florence Pugh. Praticamente a protagonista do longa, ela oferece uma performance que é, ao mesmo tempo, contida e explosiva, revelando as feridas emocionais que personagens superpoderosos raramente têm espaço para explorar.

A direção assume um tom mais sóbrio do que o habitual, e isso favorece o desenvolvimento psicológico dos personagens. Em vez de um desfile de batalhas épicas, o filme aposta em silêncios desconfortáveis, olhares perdidos e conversas carregadas de ressentimento e dor. O grupo de anti-heróis reunido sob a alcunha de “Thunderbolts” é formado por figuras quebradas e ambíguas, e a Marvel parece finalmente disposta a tratá-los com a complexidade que merecem — mesmo que, por vezes, escorregue em vícios antigos.
É justamente Florence Pugh quem serve de bússola emocional da trama. Sua Yelena está atormentada por traumas não resolvidos, e a atriz transforma isso em força dramática. Em um universo que muitas vezes minimiza o sofrimento de seus personagens, ver uma heroína lutando contra a própria ansiedade e sentindo o peso das mortes que causou é um refresco bem-vindo. Pugh domina cada cena com um equilíbrio raro entre dureza e fragilidade, criando uma personagem que se destaca mesmo em meio a uma equipe numerosa.

No entanto, Thunderbolts* tropeça ao não saber o que fazer com todos os seus personagens. O Guardião Vermelho, interpretado novamente por David Harbour, é o maior exemplo disso. Ainda que o ator esteja visivelmente à vontade no papel, o roteiro insiste em tratá-lo como um alívio cômico caricato. A representação estereotipada do “russo atrapalhado e exagerado” destoa do tom mais maduro do restante da produção, comprometendo a credibilidade da narrativa em momentos-chave.
Outro problema grave está na forma como o filme foi vendido ao público. Os trailers entregaram mais do que deviam — incluindo reviravoltas narrativas e surpresas que poderiam ter sido impactantes na sala de cinema. O marketing da Marvel parece ter perdido o controle da ansiedade em manter o público engajado, e com isso comprometeu parte da experiência. A sensação de que já vimos metade do filme antes da estreia tira parte do brilho da obra final. Além disso, o anúncio de Vingadores: Doomsday — filme que será o início do fim do multiverso — com o retorno vários atores presentes em Thunderbolts*, algumas escolhas narrativas perdem seu peso ao longo da trama.

Apesar dos tropeços, Thunderbolts* representa uma tentativa honesta de aprofundar o universo Marvel. É uma obra que aponta para um caminho mais introspectivo e emocional — e que brilha, sobretudo, quando permite que Florence Pugh conduza a narrativa com a intensidade que já a tornou uma das atrizes mais interessantes da sua geração.
Se a Marvel tiver coragem de seguir nesse rumo, talvez estejamos presenciando o início de uma nova fase, mais madura e menos dependente de fórmulas desgastadas.