Autor- José Alexandre Oliveira

A busca por vida inteligente no universo em uma nova — e psicológica — perspectiva

A infância sempre nos permitiu ter sonhos bem fora da realidade. Ser jogadores de futebol, atores famosos, criadores de brinquedos, grandes médicos, empresários riquíssimos… O sucesso estava a um piscar de olhos, bastava imaginar. Hoje é gamer ou digital influencer que abastecem esse cenário, o que não é nem um pouco absurdo. Afinal, toda criança nasce com um gadget na mão, numa era ditada por internet e por suas redes sociais. Agora, independente do contexto temporal, quase todas elas sempre imaginavam uma realidade surrealista e fantástica e até pouco tempo, pelo menos para gerações passadas, era muito comum relacionar esse imaginário infantil a uma profissão que foi ficando de lado enquanto o futuro chegava: a de astronauta.

Ad Astra — e seu redundante subtítulo em português — retoma esse tipo de personagem e nos apresenta a jornada de Roy McBride (Brad Pitt), um renomado profissional, aparentemente, muito bem visto e quisto por uma Força Militar Espacial para qual trabalha e até pelas patentes mais altas, já que se mantém sempre calmo e no controle da situação em momentos de crise. Justamente por ter essa característica a seu favor, Roy é indicado a assumir uma missão de extremo sigilo, descobrir a origem de raios cósmicos que afetam a Terra e o sistema solar. Além disso, o astronauta precisa, obviamente, em sua tarefa, erradicar a fonte do problema. A emissão desses raios compromete a existência de vida humana não só no planeta, mas também em bases lunares, interplanetárias e arrisca todo o legado de desenvolvimento espacial que, nesta realidade narrativa, nunca teve um hiato. Atrelado a isso, McBride descobre de imediato a possibilidade da crise cósmica ter relação com uma expedição espacial que foi de suma importância para o avanço dessa área: a viagem comandada por seu pai, H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones), condecoradíssimo astronauta que foi dado como morto numa das missões mais audaciosas do programa espacial, ao buscar vida inteligente nos planetas mais distantes e mapear detalhadamente o sistema solar. Com indícios confidenciais sendo revelados, apresenta-se a Roy algumas possibilidades, a dos raios cósmicos terem ligação com a frota de seu pai e, ainda por cima, a que Clifford pode ser o principal desencadeador das radiações, caso esteja vivo e consciente.

Tendo um mote muito bem estruturado e didaticamente apresentado ao espectador, a película se desenvolve dando luz a um tipo de protagonista pouco explorado em filme do gênero. Com o suporte da atuação hors-concours de Brad Pitt, Roy McBride é visto em camadas cada vez mais profundas ao adentrar em sua jornada estelar e assim o roteiro nos pega por um ponto fortíssimo da narrativa, o psicológico do astronauta. Aparentemente inabalável, mas com fissuras mentais e sociais graves, começamos a participar do drama do personagem, o que torna a experiência cinematográfica mais espetacular. A sua separação da mulher, Eve (Liv Tyler), ao usar a profissão como uma barreira; a ausência do pai em todo o crescimento do herói e sua relação constante com a solidão em diversas situações levantam questões mais e mais densas que ecoam a todo momento em suas escolhas e o coloca em xeque sobre a realização e o cumprimento da missão. Há momentos clímax extremamente bem construídos que cercam esses aspectos e nos torna cada vez mais próximos — e cúmplices — de um personagem que, com certeza, passará a ser referência no cânone sci-fi. Mérito total também da dupla de roteiristas James Gray (também diretor do longa) e Ethan Gross.

Outro ponto que funciona bem no desenvolvimento de Ad Astra é a visão bastante analítica do ambiente que o rodeia. Justamente por isso, há vários momentos com narrativas em off, nos expondo ao fluxo mental do personagem. A viagem é densa e múltipla e Roy narra tudo de forma muito organizada, mas pessoal, como uma odisseia espacial que nos mostra o espaço sendo explorado em todas as instâncias pelo homem, sem nenhum aprendizado sustentável e sem nenhuma mea-culpa. Junto com o personagem, descobrimos esses impactos negativos que o homem impõe por exemplo à Lua e o posicionamento do personagem diante de alguns aspectos e atitudes dúbias de outros seres humanos. Neste futuro, o mesmo modus operandi social, econômico e político vai se espalhando por satélites planetários e por todo pedaço de planeta que se alcança em espaço sideral e percebemos que, mesmo com a ausência de programas espaciais consistentes na nossa realidade, a sociedade real e a sociedade de Ad Astra possuem um retrato muito similar.

Além de uma narrativa forte e de um elenco de extrema competência, Ad Astra conta com outros elementos que remetem naturalmente aos filmes que o antecede, tanto no gênero, porém mais ainda em um diálogo com a filmografia do diretor. Diversos espectadores saíram da sessão do IMAX — que aliás é a melhor forma de se ver esse filme — estabelecendo uma comparação imediata ao sucesso, e ganhador de Oscar, Gravidade, de Alfonso Cuáron e ao Interstelar, de Christopher Nolan. Caso, fiquemos apenas presos à ciência e às imagens fantásticas repletas de efeitos especiais muito bem executados e cenários muito bem alocados nos momentos do filme, de fato é uma comparação que virá à tona. Contudo, é simplório reduzir o trabalho apenas a esses fatores. James Gray, ao dirigir esse filme, trabalha e liga o longa com aquilo que sabe fazer de melhor, utiliza as imagens, as tecnologias e os recursos de produção para contar uma história que destaca a força dramática de um personagem e de sua jornada — vide os dois filmes anteriores do diretor que costuram os personagens aos seus destinos e escolhas, The Lost City of Z, com o competente Charlie Hunnam e The Immigrant, com a excepcional Marion Cotillard. Justamente para não comprometer a narração dessa jornada, Gray deixa de lado em alguns momentos a rigidez cientificista que galga os filmes sci-fi e comete o mesmo “pecado”, segundo puristas, que Nolan e Cuarón tiveram na época que desenvolveram os seus projetos. Cada um à sua maneira.

Assim, a questão atual joga a possibilidade da ficção científica não abrir mão daquilo que a define, a ficção, e isso vem se tornando uma constante no gênero. Esperar que uma obra artística e um veículo de entretenimento possua meramente um caráter acadêmico é subverter a própria essência da obra em si, descaracterizando-a como veículo cultural que o é, por mais que gostemos de ciências e de seus campos de pesquisas. Mesmo assim, é possível perceber que o longa cumpre um papel importante como escopo científico a partir do momento que especula sobre possíveis futuros esquecidos, sobre realidades que nossa sociedade poderia ter e principalmente que tipo de influência o astronauta teria na nossa vida atual, no nosso imaginário cultural e o quanto a imagem desse profissional está construída em cima de desejos individuais e escapistas. Ad Astra é um filme que surge bem com o papel de retomar o astronauta para as nossas referências e o reposiciona em nossa cultura. Contudo, foi o suficiente para termos essa profissão como um sonho a ser almejado? Pensem nisso, mas, antes, divirtam-se com o filme!

Trailer– LEGENDADO

Share.
Leave A Reply

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Exit mobile version