Posso afirmar com extrema tranquilidade que estamos com um cenário do cinema nacional um tanto quanto estagnado. Não, as produções não foram interrompidas ou os filmes estão piores. Simplesmente temos um cenário muito similar ao de Hollywodd que, via de regra, entrega filmes parecidos em roteiro, visual, trilha sonora, etc. Há indubitavelmente um grave problema de criatividade na indústria cinematográfica mundial, salvo pouquíssimos exemplares que surgem esporadicamente.

No Brasil nós temos um cenário voltado para a crítica política, o humor exagerado (ou de gosto duvidoso), as chamadas “inclusões” que visam priorizar as antigas minorias, filmes com conteúdo ideológico, entre outros.

Compreendam, isso tudo fez e sempre fará parte da criação cinematográfica. Não há malefícios em tais produções, exceto quando elas se tornam a regra. Aparentemente nosso cinema está minimizado aos temas citados acima, seja como forma de “protesto”, seja por pura e simples ideologia. As comédias são indispensáveis, a crítica política sempre existiu, a presença de cenas de sexo, a ideologia por trás de quem criou a obra (algo indissociável, verdade seja dita), porém não há como negar que o que era a exceção se transformou em obrigatoriedade.

Sendo assim, há muito tempo que não vejo um filme nacional desvinculado daquilo que o cenário nacional optou por transformar em obrigatório. O grupo do “politicamente correto” dominou nosso cinema e passou a produzir obras voltadas a doutrinar, criticar (mesmo sem base) e passar a ideia de que certos valores estão em desuso.

Felizmente nem todos se guiam por essa “cartilha” doutrinária. E eis que finalmente chegamos ao filme “Noites de Alface”, uma obra atípica, a começar pelo título (justificado ao decorrer da trama) e pela narrativa simples e eficiente.

Do que se trata?

Eu fiquei muito curioso quando vi a presença de Marieta Severa no elenco. Ela é uma excelente atriz e ainda está embutida em nosso subconsciente por causa de sua personagem Dona Nenê, de A Grande Família.

Assim sendo, após receber o convite da Afinal Filmes e Palavra Assessoria, consegui assistir ao filme que conta no elenco nomes como: Everaldo Pontes, Inês Peixoto, Teuda Bara, João Pedro Zappa, Romeu Evaristo, Izak Dahora, Pedro Monteiro, Lumi Kin, Antonio Sakatsume e a própria Marieta Severo.

No filme, Ada (Marieta Severo) é uma dedicada e simplória mulher, esposa do sisudo Otto (Everaldo Pontes). Os dois são o complemento um do outro, um casal que se ama mesmo após décadas de relacionamento e tudo que uma relação tão duradoura traz de positivo e negativo.

O casal vive no pacato bairro de Paquetá, uma ilha no Rio de Janeiro. Por seu difícil acesso e pelo reduzido número de habitantes, Paquetá é praticamente um bairro do interior onde tudo é do conhecimento de todos e, claro, todos se conhecem.

Eles vivem bem e possuem uma parceria que só o tempo, o amor e a amizade pode trazer. Mesmo com a rotina tranquila, um dia Otto repara que um dos carteiros da ilha sumiu. Por ser um leitor compulsivo de suspense, logo ele imagina que há uma conspiração para esconder esse sumiço.

Em meio a essa desconfiança, Otto passa a ver comportamentos diferentes nas pessoas do bairro e até mesmo na mulher que ama, Ada.

O que será que realmente aconteceu com o carteiro?

Detalhes.

Noites de Alface é um longa-metragem que “engana” o espectador. Em vários momentos o espectador pensará que se trata de um novo “Sexto Sentido”. Em outros momentos imaginará que se trata de uma obra policial. Em certo ponto pensará que é um filme de humor. Algumas passagens darão a impressão de se tratar de um suspense.

Bem, o filme tem tudo isso e muito mais. É preciso estar atento para encontrar as nuances apresentadas em toda a obra.

O roteiro, baseado no romance homônimo da escritora Vanessa Bárbara, entrega ao espectador um filme incomum, fascinante e recheado de surpresas (agradáveis, diga-se de passagem).

Parte dessas nuances é fruto direto do roteiro e da direção competente de Zeca Ferreira, aliada aos aspectos técnicos que fizeram toda a diferença na produção.

Como um apreciador antigo do cinema, algumas partes do filme dão “dicas” que o espectador menos experiente não notará. A iluminação e a fotografia são os destaques, pois indicam ao público as mudanças na vida de Otto, assim como suas lembranças.

O clima bucólico de Paquetá, aliado ao tom ranzinza e isolado da vida de Otto servem para evidenciar o quanto a velhice pode ser solitária, mesmo que as aparências mostrem o contrário.

Ainda no que diz respeito à velhice, Ada deixa claro que sua aparência não mais a agrada, fato provocado pela passagem do tempo. Gostemos ou não, a verdade é que a idade chegará para todos que receberem tal privilégio, porém nem sempre as coisas terão aquele tom romântico de algumas obras. Envelhecer é ter que arcar com as sequelas do tempo, mas também servirá para valorizar coisas e pessoas que a juventude – e toda a presunção nela presente – não permite admitir.

Outra lição explícita da obra é sobre aquilo que não percebemos enquanto possuímos: nossa família, o tempo que dispomos, a saúde… até mesmo a rotina que aparentemente é maçante, mas fará grande falta, caso seja quebrada ou perdida.

Com uma delicada trilha sonora, ótimas atuações, uma trama muito interessante e cheia de reviravoltas, Noites de Alface é um filme nacional que merece ser visto e revisto. Um dos mais interessantes filmes do nosso cinema atual.

Caso você seja uma pessoa que ainda tem certo receio do nosso cinema, saiba que nem tudo se resume ao sexo, tramas vazias e inclusão de youtubers para aumentar o número de espectadores. Alguns filmes (incluindo este) têm conteúdo, drama, reflexão, uma história competente e, além disso, incentivam a busca pela literatura nacional.

Noites de Alface é um longa-metragem atípico e muito bom.

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